MÓIN-MÓIN - REVISTA DE ESTUDOS SOBRE TEATRO DE
FORMAS ANIMADAS
ANO 05 – NÚMERO 6 – 2009 – ISSN 1809-1385
O papel dos festivais
de teatro de bonecos na formação do ator animador brasileiro
Humberto Braga
Produtor
Cultural ― Rio
de Janeiro
Resumo: Os festivais de teatro, no
Brasil, são considerados como fundamentais na construção da historia desta
arte. A compreensão disto não se remete apenas a importância que esses
encontros têm na formação dos artistas. Refere-se acima de tudo ao movimento de
transformação da cena brasileira, de afirmação e de reconhecimento do que se
pode chamar de teatro brasileiro. Podemos afirmar o mesmo em relação aos
Festivais de Teatro de Bonecos que acompanham intimamente a historia dessa arte
e contribuem decisivamente com a formação de muitos dos seus artistas. Existem
festivais de todos os tamanhos e com diferentes perfis de programação. Alguns
deles não olham para o lado enriquecedor da troca de experiências e são como
uma vitrine de espetáculos. Os promotores dos festivais têm dificuldades para
realiza-los porque não existem políticas traçadas nesse campo, nem visão desses
eventos como um espaço de “celebração do conhecimento”. Os organizadores devem se
preocupar mais com a sistematização de documentos e de depoimentos de artistas,
medidas que poderiam ajudar a transformar essa realidade.
Palavras-chave: Festivais de teatro de animação;
formação de artistas; encontro de artistas; troca de experiência e apoio a
eventos.
Os festivais de teatro, no Brasil, na voz de muitos
artistas, são considerados determinantes na construção da historia dessa arte.
A compreensão deles não se remete apenas à importância que esses encontros têm
no aspecto da formação. Refere-se ainda, e, sobretudo, ao movimento de
transformação da cena e do reconhecimento do que se pode chamar de teatro
brasileiro. E também porque muitos desses festivais foram reveladores de uma
infinidade de talentos de todos os cantos do pais.
Amir Haddad 15 observa que
“os Festivais de Paschoal Carlos Magno 16 foram
definitivos para a implantação do moderno teatro brasileiro e para a consolidação
de praticas teatrais incipientes que havia no pais inteiro e que não emergiam, não
vinham a tona por falta de estimulo, por falta de contato, por falta de competição,
e as vezes ate por falta de troca de ideias por causa de um isolamento muito
grande”. Continua afirmando que esses festivais tiveram o papel de “colocar o
Brasil ao nosso alcance” e chancelavam “uma notoriedade nacional”. Amir vai mais longe quando
diz que “o teatro não vive sem os festivais. Eu acho que se a gente ficasse
reduzido a mostrar o nosso trabalho em salas comerciais e a esperar a critica e
o publico, o teatro já estava morto ha muito tempo”. No campo pessoal, pondera,
“não teria feito o caminho que fiz se não fosse o festival de Paschoal [...].
Mas o que eu acho principal que os festivais provocam e o dele provocava
intensamente e o intercambio entre as pessoas que trabalham nessa área. [...]
Eu acho que essa e a função maior de todos os festivais. Provocar encontros”.
Sobre Paschoal Carlos Magno, Amir Haddad presta uma reverencia: “Paschoal esta
vivo. Esta vivo porque fez o festival, porque o festival dele me fez e eu estou
vivo e o Paschoal esta vivo dentro de mim [...]. Paschoal e eterno em nos”17 .
Seguindo a mesma linha de
analise, Maria Helena Kuhner 18, lembra que “a
primeira e mais antiga forma de união dos que faziam teatro por todo o pais
foram os Festivais” e recupera as considerações de Luiza Barreto Leite 19, lembrando que “discutia-se, a ponto de endoidar,
uma forma de unificar o corpo desmembrado deste pais sem fim. [...] Estávamos
ainda (ou já, como queiram) em 1957. A partir dai eram mais ou menos frequentes
essas reuniões sempre por iniciativa de Paschoal Carlos Magno, o teimoso embaixador
da cultura que não cessava de mover céus e terras, cutucar instituições e
autoridades, exigir patrocínios e apoios, para poder ser, cada vez mais, o Anjo
dos Endoidados e realizar sete festivais nacionais que não só ficaram na historia,
mas fizeram a própria historia do teatro no Brasil”. Os sete festivais citados
e que merecem um registro são os de Recife, em 1958; de Santos, em 1959; de
Brasília, em 1961; de Porto Alegre, em 1962; da antiga Guanabara, de 1968 e os
dois de Arcozelo, em 1970 e 1975.
Podemos afirmar com a mesma
contundência que os Festivais de Teatro de Animação também acompanham a
historia dessa arte e contribuíram decisivamente com a formação de muitos dos seus
artistas. Vejamos o que diz Luiz Andre Cherubini 20
“O primeiro festival de que participamos foi o Festival Internacional de Teatro
de Animação, realizado pela Associação Brasileira de Teatro de Bonecos, em Nova
Friburgo (RJ), em 1987. Foi uma descoberta, um deslumbramento. Vimos, ai, os
melhores mamulengueiros do pais; espetáculos delicadíssimos, ternos e singelos,
da Argentina; espetáculos grandes, de luz negra, do Uruguai; marionetes alemãs
baseadas na estética da Bauhaus; teatro de bonecos sem bonecos, mas com
objetos, da Franca; os melhores bonequeiros do Brasil. [...] E descobrimos
artistas da melhor estirpe, generosos, humildes e [...] aprendemos muitas
lições e nos fizemos os artistas que somos”. Não foi diferente para Miguel
Vellinho 21 , também se referindo ao Festival de
Friburgo de 1987: “olhando para trás, olhando especificamente para este
encontro que se tornou definidor da minha trajetória artística, o quanto pode
ser importante uma política pensada para o fomento de festivais aqui no Brasil.
Muitos vieram depois, ha outro encontro bastante profundo que ocorreu em 1990
em Santos, organizado por Ana Maria Amaral 22 que
mais que espetáculos, pensou no caminho que o Teatro de Animação poderia
trilhar no meio acadêmico. Uma visão profética de uma realidade em que ate
mesmo eu estou como personagem! Fui aprendendo ao longo do tempo, como
espectador de festival os caminhos para que eu também criasse uma assinatura artística
que pudesse contribuir de alguma forma para este caminho, que percorremos ao
longo do tempo, fosse cada vez mais interessante e surpreendente. Os festivais
são, sim, nossa grande escola. Neles me formei, me transformei e amadureci como
artista e como pessoa”.
Álvaro Apocalipse 23, mesmo com uma formação acadêmica avançada e com
notoriedade no campo das artes plásticas, reconhece: “em 1972, fomos convidados
para participar de uma oficina de criação coletiva no Festival de Internacional
de Charleville – Mézières 24, na França. Durante
o festival, tivemos a oportunidade de ver espetáculos de mais de 30 países. Foi
um verdadeiro curso. [...] Esse festival foi uma verdadeira escola para o
Giramundo”. Marcos Malafaia 25 também nos manda
sua visão, acrescentando que “festivais transformam marionetistas e grupos. De
modo informal, esses encontros improváveis, incontroláveis, algumas vezes organizados
e outras tão caóticos, foram os principais agentes para a formação, transformação,
atualização, reformulação de gerações de bonequeiros e de praticamente todos os
mais importantes grupos de teatro de bonecos, não só do Brasil, mas de toda
parte”. Jorge Crespo 26 conta-nos que seu
primeiro festival de teatro de bonecos foi o de Recife, em Pernambuco, em 1976.
“Nesta época eu estava descobrindo as possibilidades múltiplas do teatro de animação,
encantado com minhas descobertas pessoais e com o profissionalismo consequente
do Grupo Carreta. [...] Minha impressão era a de quem estava começando a andar
ou falar pela primeira vez. [...] Foram apresentações do Mamulengo Sorriso, do Giramundo,
de Maria Luiza Lacerda e suas pesquisas de linguagem, Magda Modesto e seu eruditismo
animador, de Manoel Kobachuk, de um discreto grande mestre, Humberto Braga,
dando um show de manipulação, Nilson Moura, vibrante animador de mamulengos,
Fernando Augusto, e tantos outros companheiros que me acolheram de forma
entusiasmada e cooperativa” 27.
Depoimentos dessa grandeza
traduzem a importância dos festivais de teatro de animação e se complementam
com declarações de representantes de instituições que os promovem. Os objetivos
dos festivais nas atividades da UNIMA 28 “são
uma plataforma particularmente valiosa de encontro de artistas de diferentes países.
Todos os participantes se exprimem ai pela linguagem da arte, a linguagem mais
compreensível do mundo. Evidentemente, apreendem também os traços específicos,
os símbolos e códigos da arte teatral de diferentes países. E o fazem
rapidamente; e tanto mais depressa quanto mais festivais se realizam”. Maria
Luiza Lacerda 29 , relatando sua participação no
XII Festival de Moscou, em 1976, demonstra o entusiasmo provocado por este
evento: “há muito mais que falar sobre esse festival, mas ha muito mais ainda que
pensar e fazer nesta nossa imensa e pitoresca terra, tão cheia de contrastes de
tudo, neste Brasil, que eu pude sentir muito mais a milhares de quilômetros de
distancia, onde o ritmo e o modo de vida estranho me trouxe a essência do meu
povo, da minha terra”. Sobre esse mesmo festival Jean-Loup Temporal, que
representava a Franca, em depoimento na mesma revista Mamulengo, prenuncia um
novo tempo: “os vinte e um espetáculos apresentados nos três teatros [...]
provaram que a arte dos bonecos vai bem em todo o mundo. Graças a sua
diversidade e seus recursos, sabemos agora que uma verdadeira renascença da
arte esta se esboçando”. Miguel Arreche 30 diz
com muita propriedade, num texto especialmente escrito a nosso pedido, que “um
Festival de Teatro de Bonecos pode ser uma oportunidade de aprendizagem desde
que nos aproximemos com curiosidade, humildade, com um espírito crítico e autocrítico.
A maioria dos titeriteiros que conheci confirma a importância desses eventos no
seu crescimento profissional [...]. Lamentavelmente, tenho conhecido alguns que
acham que já sabem tudo. Com esta atitude ninguém tira proveito de um festival.
Uma boa festa deve facilitar reuniões entre os participantes, deve criar lugares
ou tempos em que, formalmente ou informalmente, o possa conversar, trocar experiências
[...]. Festival com esta sensibilidade transforma-se numa verdadeira escola
viva e nos ajuda a descobrir que os problemas e suas soluções cênicas tem, como
num espelho despedaçado, dezenas de ângulos e tonalidades”.
A frequência dos festivais de
teatro de bonecos, no Brasil, começa um pouco mais tarde em relação aos
festivais de teatro. Houve uma tentativa em 1958, com o encontro de dezesseis
grupos realizado pela Associação Carioca de Críticos Teatrais. Depois de uma
pausa, ocorreram três seguidos, como nos relata Clorys Daly 31 : “Ao assumir a direção do Teatro de Marionetes e
Fantoches do Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro (hoje Teatro Municipal
Carlos Werneck), e tendo sob nossa responsabilidade idealizar a programação com
apresentações de teatro de guignol, eu e Cláudio Ferreira 32 achamos que seria interessante lançar um festival
para podermos localizar os grupos atuantes, já que naquela época, 1966, havia pouca
divulgação em torno dessa especialidade. Para nossa surpresa o I Festival foi
um sucesso absoluto, com uma cobertura da imprensa surpreendente. O II e III
festivais se sucederam, ate que sentimos a necessidade da fundação de uma
associação para reunir os artistas que aos bonecos se dedicavam. Nasce (1973) a
Associação Brasileira de Teatro de Bonecos (ABTB) e continuamos realizando
festivais nacionais e também internacionais. Com duração de dez dias e a
permanência em tempo integral de todos os participantes, esses festivais,
enriquecidos de congressos, seminários, exposições, representavam a melhor
forma de encontro de talentos, troca de experiências, de crescimento, de ousar novas
técnicas, propiciando discussões acaloradas sobre ser ou não ser teatro de
bonecos e, sem duvida, algo de muito importante aconteceu para a vida de todos
nos, que foi o inicio do reconhecimento da arte dos mamulengueiros, a partir da
vinda ao Rio de Janeiro, de Ginu 33, com quem os
titeriteiros da cidade muito aprenderam e passaram a dar valor a origem do
teatro de bonecos no Brasil, desenvolvendo trabalhos a partir de nossas raízes”.
A criação da ABTB e, portanto,
mais um dos vários resultados desses encontros e foi esta associação que
realizou treze eventos itinerantes, de 1975 ate 1990. A lacuna deixada pela Associação
foi rapidamente preenchida por inúmeros outros festivais que começaram a surgir
como eventos fixos na mesma cidade.
O Festival de Teatro de
Bonecos de Canela e realizado desde 1988, nessa cidade da Serra Gaucha. Numa promoção
pioneira da Associação Gaucha de Teatro de Bonecos, primeiro em Caxias do Sul, também
no estado do Rio Grande do Sul, manteve sua permanência em parceria com a
Prefeitura Municipal de Canela; o Festival Espetacular de Teatro de Bonecos e uma
realização da Fundação Teatro Guaíra, do Governo do Estado do Paraná, realizado
desde 1992. Também de alcance internacional, esse evento movimenta a cidade de
Curitiba todos os anos com extensa programação; o Festival Internacional de
Teatro de Bonecos, promovido desde 2000 pelo Centro de Produção Cultural
Catibrum, de Belo Horizonte, e de iniciativa de um grupo de teatro de bonecos.
De maneira muito apropriada alinha os propósitos de atendimento ao publico e de
intercambio entre os artistas participantes e possibilita um panorama
expressivo do que acontece em termos de teatro de animação, em vários países; o
Festival de Formas Animadas de Jaraguá do Sul completa, em 2009, nove anos e é
promovido pela Sociedade Cultura Artístico – SCAR – de Jaraguá do Sul, em
parceria com a Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. A programação
do encontro inclui um seminário sobre a evolução dessa manifestação artística e
as mesmas instituições que promovem o festival são responsáveis pela revista
Móin-Móin, que, em cinco números já editados, constitui-se numa preciosa coleção
de artigos acadêmicos e de estudiosos sobre o tema. Esse tripé de ações
arquitetado a partir do festival, do seminário e da revista, representa um
exemplo de contribuição inestimável à formação dos artistas titeriteiros; o
Festival Internacional de Teatro de Bonecos, de Brasília, na oitava edição em
2009, e outro exemplo de iniciativa de um grupo de teatro, a Associação Ruarte
de Teatro. Seus relatórios mostram que atinge, anualmente, cerca de dez mil
criancas de escolas publicas do Distrito Federal e das cidades satélites.
Em dezembro de 2008, os
promotores do festival brasiliense realizaram a “Festa dos Mamulengos” 34. A programação do evento contou, também, com o seminário
“Rodas de Prosas”, discutindo o processo de registro do mamulengo como
patrimônio imaterial 35. Essa festa dos
mamulengos realizada em Brasília merece destaque porque vem suprir a ausência
dos encontros de mamulengueiros que existiram de 1976 a 1987 promovidos pela
Fundação José Augusto, no Rio Grande do Norte. Foram esses encontros que
promoveram a identificação de um grande numero de “mestres”, como são
conhecidos esses artistas populares da região nordeste e tornaram conhecidos
alguns deles no panorama nacional e internacional 36.
Diferente dos demais festivais, a partir de 2004, uma caravana gigantesca
conhecida como SESI-Bonecos circula a cada ano nas diferentes regiões do país
apresentando espetáculos, montando exposições, realizando seminários e
instalando oficinas de confecção e manipulação de bonecos. Com o patrocínio do Serviço
Social da Indústria e como uma iniciativa também de natureza privada, esse
projeto tem oferecido ao publico de muitas cidades do país uma oportunidade de
acesso a um grande numero de atividades de teatro de animação 37. Em 2007, surge o Festival Internacional de Teatro
de Animação — FITAFLORIPA, numa promoção conjunta de diversas instituições
publicas, presenteando o estado de Santa Catarina com um evento, na capital.
Por que será que os festivais
de teatro ocupam este papel tão destacado, talvez ate mais do que ocorre com
outras linguagens artísticas? No caso dos festivais de teatro de animação,
Marcos Malafaia afirma que “a falta de escolas (no sentido amplo do termo —
formais e informais) e o caminho seguro para a decadência de uma forma de arte.
Então, os festivais ocuparam o lugar das escolas irradiando conhecimento não
sistematizado, mas verdadeiro porque baseado na sincera — e ansiosa — busca de
tantos bonequeiros sedentos”. Não será apenas pela ausência de instituições de
ensino nos diversos pontos do pais, mesmo concordando com a constatação de que
o teatro, neste imenso território, ainda e uma atividade autodidata. E se essa
realidade fosse outra — é verdade que vem se transformando — a formação do
artista não prescinde da necessidade de ver e de trocar experiências. As artes do
espetáculo ao vivo, como são denominadas as artes cênicas em outros países, são
artes que se consubstanciam num momento único e insubstituível na relação
palco-plateia. E esse o lugar onde a mágica de todo um processo construído se
revela. O teatro de animação adquire outra dimensão porque, alem de todos os requisitos
da linguagem teatral, incorpora componentes plásticos em movimento, cria um
novo universo simbólico e se lança numa viagem de infinitas possibilidades. Então,
para as artes que necessitam vivenciar a comunhão artista-espectador, no
momento da sua apresentação, que outra oportunidade teríamos senão a conveniência
de um encontro de diferentes espetáculos com diferentes públicos num curto espaço
de tempo?
Mas, de que festivais estamos
falando tão genericamente? Existem festivais de todos os tipos, tamanhos e com
diferentes perfis de programação. Alguns, por uma questão de opção, não olham
para o lado do encontro e são como uma vitrine de espetáculos. Luiz Andre
Cherubini observa o fato: “hoje, a maioria dos festivais são mostras, exibição
de espetáculos. Por questões comerciais, o convite para se apresentar e
acompanhar o Festival se resume em chegar na véspera e partir no dia seguinte a
apresentação. Por comodidade ou ate mesmo por redução nos orçamentos, os
festivais, muitas vezes, optam por dar vale-refeição, em lugar de reunir todos
os artistas em uma mesa de almoço e de jantar. Com isto, hoje, poucos festivais
ainda são espaços de encontro, de intercambio e de convívio entre artistas”.
A seleção dos espetáculos deve
estar sintonizada com os objetivos do evento. O próprio Luiz Andre, que também
realiza essa difícil tarefa, observa: “a curadoria e muito importante em um
Festival para que ele não seja apenas um apanhado, ao acaso, de diferentes
produções. Um Festival deve cumprir um objetivo, ter algo a dizer, sob o risco
de perder sua expressão artística, de perder a possibilidade da provocação e do
risco, passando a desempenhar um papel menor, de puro entretenimento, festa e
negocio. [...] Mais: existe uma coisa que os programadores conhecem como
festivalidade, espetáculos que nascem para festivais, que só funcionam em
festivais e que não suportam temporadas. [...] Uma curadoria tem que fazer
escolhas baseadas em diferentes critérios, próprios de cada evento. Muitas
vezes não escolhe os melhores espetáculos, nem os espetáculos de que
simplesmente gosta, mas aqueles que melhor lhe servem para atingir um determinado
objetivo, frente a um determinado publico, situações e condições.
Frequentemente, artistas não selecionados não compreendem isto e se magoam, mas
ha muitos casos em que estão ate mesmo sendo protegidos de uma situação avessa
ao seu espetáculo”. Nos mega-eventos internacionais encontramos sempre espetáculos
que são produzidos para festivais, por conta inclusive do mercado de trabalho
que esse circuito oferece. São trabalhos - por vezes demonstrações de
virtuosismo na manipulação de uma técnica — que priorizam a comunicação fácil
com plateias de diferentes línguas e culturas. As produções que se deixam levar
por essa tendência comprometem o compromisso maior da arte e não enfrentam o
desafio de harmonia entre a dramaturgia, a encenação e a interpretação como
elementos essenciais da linguagem teatral.
Quando abordamos o assunto
referente a premiação que e inserida em alguns festivais, as opiniões variam.
Aldomar Conrado 38 diz que “Paschoal Carlos
Magno adorava distribuir prêmios”. Isso dava um charme ao evento, aos
apoiadores e estimulava os participantes. Nas décadas de 70 e 80, as Federações
de Teatro Amador, em geral, abominavam – termo bem apropriado – a ideia do prêmio.
Instigávamos a discussão com os representantes dessas entidades, lembrando que a
competição, lado a lado, e uma forma saudável de interação social e pegávamos o
exemplo do esporte, que não existe sem competição. Ainda assim, o pessoal do
teatro amador, na época, preferia que os grupos participassem em igualdade de
condições avaliando-se, isto sim, as condições existentes para melhoria de suas
realizações. A favor ou contra os troféus, grupos e produtores exibiam e
continuam exibindo com certo orgulho, em seus currículos, os prêmios e o
reconhecimento obtidos em festivais. Neste capitulo ainda da premiação, o Festival
Internacional de Teatro de Bonecos de Belo Horizonte encontrou um meio
interessante. São dois prêmios, sendo um escolhido por um júri especializado e
outro indicado pelo voto de um júri popular. Essa dupla premiação acrescenta um
componente ao festival, estimulando a reflexão entre a preferência do que foi
escolhido pelos especialistas e da preferência do publico. O prêmio fica mais
gratificante ainda quando um artista, uma função técnica ou um espetáculo
alcança a indicação das duas modalidades. O troféu homenageia Magda Modesto,
personalidade com uma longa e respeitada folha de serviços dedicados ao teatro
de animação.
Quase um consenso aparece
quando tratamos da programação paralela dos festivais e quando abordamos a questão
dos debates dos espetáculos apresentados. A realização de palestras, exposições,
lançamento de livros, dentre outras, sempre acrescenta informações para
participantes que se reúnem em torno do mesmo tema. No que se refere aos
cursos, o conteúdo do que se pretende transmitir deve estar adequado ao tempo
disponível para essa finalidade. Quanto aos debates sobre os espetáculos,
alguns preferem a conversa aberta com a plateia, outros optam pelo debate com especialistas
e outros ainda misturam os dois tipos de analise.
No sentido inverso do caminho
que tentamos avançar, reunindo pontos que ilustram a relevância dos festivais
de teatro de animação, a consecução desses projetos ainda e para a grande maioria
de seus produtores uma perseverança quixotesca. Os organizadores desses
eventos, anualmente, correm atrás de meios que os viabilizem e estão sempre na
duvida se vão e como vão realiza-lós. Não existem, no país, políticas definidas
que deem garantia aos projetos, em condições mínimas e, principalmente, com a antecedência
que uma iniciativa dessa natureza exige. Por parte dos que definem o apoio, em
muitos casos, prevalece um olhar estreito na ideia da festa que o radical do
termo sugere. Por parte dos promotores é necessário que valorizem mais o
registro e a conceituação dos resultados, difundindo-os para fora do circulo
especifico. Quando começamos a tarefa de escrever este artigo, encontramos vasto
material publicado referente aos festivais de teatro. O pequeno material
encontrado oriundo do pessoal de teatro de animação levou-nos a pedir
depoimentos. Confirmando o que prevíamos, chegaram textos plenos de emoção e de
reconhecimento do significado que os festivais tiveram na carreira de tantos
artistas.
O material recebido dos
artistas desperta, sob outro angulo, um alerta. Frente aos desafios dos novos
tempos, esperamos que os promotores de festivais – os anjos endoidados que
seguem o idealismo de Paschoal Carlos Magno – que existem ou que surjam, alem
da rica interação com o publico que oferecem, não cessem de mover céus e terras
no compromisso com o encontro e com a oportunidade do intercambio de
conhecimento entre os artistas. Por esse caminho um festival pode deixar de ser
um mero evento e entrar com méritos na historia dessa arte.
15 Amir Haddad participou da
criação do Teatro Oficina, foi professor do Conservatório de Teatro, hoje
UNIRIO, fundador e diretor do grupo Ta na Rua.
16 Paschoal Carlos Magno (1906 –
1980), dramaturgo, crítico e diplomata e considerado o maior animador cultural
de todos os tempos. Alguns marcos deixados na historia do teatro brasileiro: o
Teatro do Estudante, o Teatro Duse e a Aldeia de Arcozelo, em Paty de Alferes,
estado do Rio de Janeiro.
17 Em vários estudos publicados
na revista O PERCEVEJO – Anos 9/10 - 2001/2002. Aparecem nomes de artistas
reconhecidos nacionalmente por esses festivais: Aldomar Conrado, Amir Haddad,
Ariano Suassuna, B. de Paiva, Carlos Miranda, Cesar Vieira, Etty Frazer, João
Cabral de Melo Neto, José Celso Martinez, Márcio Souza, Sylvia Orthof, Vital Santos
e nomes ligados ao movimento gerado por esses festivais, como
o Grupo Oficina e Plínio
Marcos.
18 In: Teatro Amador –
Radiografia de uma realidade, INACEN / MinC – 1987.
19 Luiza Barreto Leite, atriz,
crítica, integrante do grupo Os Comediantes, em depoimento publicado no Boletim
Informativo no 6, INACEN / MEC, 1984.
20 Luiz Andre Cherubini, diretor
e fundador do Grupo Sobrevento, criado em 1986 no Rio de Janeiro e atualmente
sediado em São Paulo, com repertorio de espetáculos reconhecido no país e no
exterior.
21 Miguel Vellinho, fundador do
Grupo Sobrevento. Criou, em 1999, a Cia. Pe-Quod de Teatro de Animação,
dirigindo diversos espetáculos premiados. Graduado e Mestre pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UNIRIO. Texto encaminhado para este artigo.
22 Diretora do Grupo O Casulo,
de São Paulo e Doutora em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo, com
diversos livros publicados. Com os esforços empreendidos pela artista e
professora, o teatro de animação alcança em 1990, na USP, meios efetivos no
campo acadêmico, com pós-graduação nas titulações de mestrado e doutorado.
23 APOCALYPSE, Álvaro (1937 –
2003), diretor do Giramundo Teatro de Bonecos, de Belo Horizonte, em
depoimento, Belo Horizonte, Editora C/Arte, 2001.
24 O Festival Mondial des
Théâtres de Marionnettes, realizado desde 1961 em Charleville-
Mézière, França, e considerado
um dos maiores eventos internacionais no gênero.
25 Marcos Malafaia, diretor /
Grupo Giramundo Teatro de Bonecos, Belo Horizonte. Texto encaminhado para este
artigo.
26 Jorge Crespo, ator,
manipulador da Cia. Jorge Crespo, Rio de Janeiro. Texto encaminhado para este
artigo.
27 Em citação, o Grupo Carreta,
dirigido por Manoel Kobachuk, do Rio de Janeiro, hoje sediado em Curitiba, PR e
diversos outros grupos, artistas e estudiosos que participaram do Festival de
Teatro de Bonecos de Recife, promovido pela Associação Brasileira de Teatro de
Bonecos, em 1976.
28 UNIMA – Union Internacionale
de la Marionette, entidade que congrega titeriteiros de todo o mundo e que
completa, em 2009, oitenta anos de existência. Texto escrito por Jan Malik,
Presidente de Honra dessa entidade, na Revista Mamulengo no 2, ABTB, 1974.
29 Maria Luiza Lacerda, autora
de textos teatrais, criou e dirigiu o Grupo Revisão. Trecho do artigo publicado
na revista Mamulengo no 5, ABTB, 1976.
30 Miguel Arreche, organizador
do Festival de Teatro de Bonecos de Tolosa, Espanha, ex-secretário Geral
Internacional da UNIMA, acumula uma experiência de 27 anos participando de
festivais em vários países.
31 Clorys Daly, uma das
fundadoras da Associação Brasileira de Teatro de Bonecos e organizadora dos
primeiros festivais da ABTB. Ex-presidente da Associação Rio de Teatro de
Bonecos. Texto encaminhado para este artigo.
32 Cláudio Ferreira, marionetista,
primeiro presidente da Associação Brasileira de Teatro de Bonecos.
33 Januário de Oliveira – Ginu
(1910 – 1977), pernambucano, um dos mais expressivos artistas do teatro popular
de bonecos.
34 Festival promovido pela
Associação Ruarte de Teatro, de Brasília, dedicado ao teatro popular de bonecos
do nordeste – o mamulengo. Sobre o tema indicamos os livros de Hermilo Borba
Filho (1987); Fernando Augusto Gonçalves Santos (1979) e Deífilo Gurgel (2008).
35 Existe um processo no IPHAN /
Ministério da Cultura que trata do registro do mamulengo como patrimônio
imaterial no livro Formas de Expressão.
36 Sobre o Encontro de Mamulengos
do Nordeste – capítulo do livro de Deífilo Gurgel, o Reinado de Baltazar –
Teatro de João Redondo – edição das Coleções Letras Natalenses, 2008.
37 Sobre o SESI-Bonecos e sobre
os festivais de teatro de bonecos da Associação Brasileira de Teatro de
Bonecos, ver revista Móin-Móin nº 4 - 2007.
38 Aldomar Conrado, nascido em
Pernambuco, dramaturgo e professor. Entrevista publicada na revista O
PERCEVEJO – edição citada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOLETIM INFORMATIVO no 6. Rio de Janeiro: INACEN /
MEC, 1984.
BORBA
FILHO, Hermilo. Fisionomia e Espírito do Mamulengo. Rio de Janeiro: INACEN /
MinC, 1987.
BRAGA,
Humberto. Aspectos da história recente do Teatro de Animação no Brasil.
In: MÓIN-MÓIN N° 4: Teatro de Formas Animadas Contemporâneo - Revista de
Estudos Sobre Teatro de Formas Animadas. Jaraguá do Sul: SCAR/UDESC, 2007.
GURGEL,
Deífilo. O Reinado de Baltazar – Teatro de JoãoRedondo. Natal: Letras
Natalenses, 2008.
KUHNER,
Maria Helena (org.). Teatro Amador – Radiografia de uma realidade. Rio
de Janeiro: INACEN / MinC, 1987.
MAMULENGO
nº 2. Rio
de Janeiro: ABTB, 1974.
MAMULENGO
nº 5. Rio
de Janeiro: ABTB, 1976.
O
PERCEVEJO. Universidade
Federal do Estado do Rio deJaneiro – UNIRIO – Anos 9/10 - 2001/2002.
SANTOS,
Fernando Augusto Gonçalves. Mamulengo, um povo em forma de bonecos. Rio
de Janeiro: MEC / FUNARTE, 1980.
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